quinta-feira, fevereiro 23

Comunicação Pessoal




Comunicar-se é uma tarefa essencial para a interação humana. Em família essa atividade precisa ser mais do que uma tarefa, precisa alcançar o nível de habilidade. Comunicar não é o mesmo que informar, noticiar, transmitir, apesar de passar por isto.

Alguns casais pensam que estão comunicando, quando na verdade estão monologando paralelamente. Comunicar é uma atividade ativa e passiva de intercâmbio mínimo entre duas pessoas que interagem palavras a partir da escuta do outro.

A comunicação é efetuada no nível das palavras, do emocional, do gestual e do corporal. Quem comunica, só está consciente do nível das palavras. Quem ouve capta todos os níveis de forma consciente ou não. Mas quem comunica só consegue ouvir as próprias palavras na maioria das vezes.

No mecanismo de comunicar existe uma problemática ou fato percebido e avaliado, uma elaboração desse fato em pensamentos, a estruturação em frases junto com o tom emocional, afetivo e corporal e a comunicação propriamente dita.

Em quem ouve há a audição da comunicação, o entendimento do fato ao qual se refere o outro, a elaboração mental do que foi dito por palavras, emoções, gestos e expressões corporais, a análise mental do que foi dito sobre o fato relatado e a devolução da comunicação.


A Comunicação é Sujeita a Falhas






Percebe-se que pelo tamanho de seu mecanismo a comunicação é uma atividade sujeita a falhas, tanto pelos níveis inconscientes não percebidos na hora de comunicar, quantos pelos mundos diferentes que compartilham os comunicantes.

Essas falhas que atrapalham a comunicação se chamam ruídos. Proporcionam ouvir o que não foi dito, ocasionando julgamentos errados do outro. Proporcionam entendimento equivocado, reações incoerentes e respostas destoantes do contexto da conversa.

Comunicar é necessariamente expressar conteúdos (pensamentos, sentimentos, ideias, emoções, fatos, etc.) junto com ruídos. Toda comunicação está sujeita a ruídos que prejudicam o entendimento mútuo. Em família não é diferente.

Esses ruídos podem estar tanto na comunicação quanto na mente de quem ouve. O ruído é, portanto, consequência necessária da interação entre duas falas de diferentes personalidades.

Algumas pessoas reagem à falha da comunicação, não ao seu conteúdo. A família precisa desenvolver habilidade para perceber e esclarecer esses ruídos.

Para comunicar eficientemente, a família deve o tempo todo comunicar conteúdos e conversar sobre a forma de comunicação de todos. Não basta ouvir, é preciso estudar o padrão de comunicação do outro.


Alguns Ruídos da Comunicação Familiar



O primeiro ruído está na incapacidade de comunicar-se, de pôr em palavras aquilo que sente e percebe de si mesmo e do mundo ao redor. O componente familiar não consegue pôr em palavras todos os seus sentimentos, emoções e ideias de forma clara e integral.

O resultado dessa incapacidade proporciona uma comunicação inverídica e inexata com uma avalanche de comunicação inconsciente acompanhada de muita ansiedade resultante da tentativa de comunicar. Esta falta de habilidade de comunicar e de autocontrole da ansiedade gera mais dificuldade na comunicação familiar.

Um exemplo simples. O esposo pode ter se sentido diminuído quando a esposa retira a sua autoridade na frente dos filhos. No momento de conversar sobre isso, o esposo diz que essa atitude é feia e mais nada. O esposo perdeu a oportunidade de comunicar seus sentimentos e sua sensação diante do que ocorrera, pois não soube falar disso.

Portanto, o membro da família deve deixar claro se isso for um problema em sua forma de comunicação. Conversar sobre sua impossibilidade de falar de sentimentos e desejos. Quando percebido em família, outro componente deve ajudar fazendo perguntas especificas que estimulem o outro a conversar sobre seus sentimentos.

Um segundo ruído de comunicação muito comum é ocasionado pela visão preconceituosa construída ao longo do tempo de convivência em família. O preconceito aqui referido não é o preconceito racial, étnico, sexual ou social. É o preconceito psicológico.

Uma dos membros familiares constrói uma imagem do outro de acordo com algumas expectativas, fatores e características. Com isso constrói uma personalidade para o outro componente familiar. Essa imagem construída vai guiar o processo de comunicação de ambos.

Um exemplo simplório. A esposa constrói a imagem de que seu esposo é medroso. Qualquer tentativa de ele ser prudente será encarada como motivada pelo seu medo. Essa construção preconceituosa pode acontecer entre toda a família.

Para dissipar ruídos da comunicação só mesmo comunicando. Conversar sobre essas visões que um tem do outro num clima amigável pode ser uma saída preventiva que evitar desentendimentos futuros. Estar disposto a falar e a ouvir queixas é menos doloroso do que sair ferido psicologicamente por causa de um preconceito inverídico.

Um terceiro exemplo de ruído é proporcionado pela comunicação inexistente. Por não se comunicarem com freqüência sobre fatos, medos, anseios, desejos e expectativas, comportamentos, regras e etc., muitos assuntos ficam mal resolvidos e acabam voltando na discussão misturando assunto sobre assunto.

Um exemplo desse ruído. O filho nunca conversa com o pai sobre o autoritarismo injusto dele. No momento de conversarem sobre o dever de casa que o menino não fez, o filho reage impulsiva e desobedientemente retratando-se ao autoritarismo do pai de forma violenta. Dessa forma, misturam-se temas de autoritarismo e de desobediências do filho numa mesma conversa.

Em famílias onde inexiste comunicação sobre desejos, medos, expectativas, etc., a melhor saída é buscar a interação através de outras formas tal como falando sobre outro assunto similar, conversando sobre trabalho ou sobre um programa de televisão até que todos estejam à vontade para falar do tema problemático.

Um quarto exemplo de ruído está relacionado a conflito de gerações. Entendido de forma ampla é a falta de empatia entre pais e filhos para um buscar entender o outro antes de comunicar. Entender aqui não significa ter libertinagem na educação e nem ser complacente com desobediências e com deslealdade conjugal.

Um exemplo é quando os filhos não obedecem aos pais quanto a uma regra de chegar cedo em casa por causa da violência do bairro. Os pais então reagem impondo mais regras injustas e especificas ainda. Os filhos reagem com mais desobediência a essas novas e antigas regras.

Nos conflitos de gerações a iniciativa deve partir dos pais para esclarecer determinadas regras. Entretanto o medo de perder a autoridade impede isso. Pais devem saber que conversar sobre as regras não é sinônimo de perder autoridade, pelo contrário pode ser sinal de reforçá-las.


O Desafio de Comunicar-se.

 

Para lidar com esses ruídos é imprescindível saber ouvir o outro. Comunicar, portanto é acima de tudo ser humilde. Humilde para voltar o olhar sobre si mesmo e permitir-se uma autocrítica a partir da introspecção.

Para diminuir a freqüência desses ruídos da comunicação entre o casal e a família é necessária uma abordagem tática centrada em empatia e introspecção.

Entretanto essas táticas não funcionam se não houver disponibilidade para mudanças sobre a forma de comunicar-se.

Para comunicar-se eficientemente em família, é necessário entender o mundo do outro, a fim de procurar entender suas necessidades e adaptar a própria comunicação a partir dessa constatação.


A comunicação no relacionamento familiar 




Ter um relacionamento familiar saudável é o objetivo de qualquer família. Entretanto, deve se ter em mente que para isto acontecer um trabalho específico deve ser realizado no sentido de construir um ambiente cooperativo e benéfico.

Antes de procedermos a algumas reflexões sobre formas de relacionamento familiar, precisamos ver a família de forma ampla como um sistema vivo onde os componentes reagem e influenciam-se uns aos outros de forma recíproca.



Os membros não estão isolados dentro da família e seus comportamentos não se devem exclusivamente a fatores de personalidade. O comportamento inadequado ou o relacionamento conflituoso deve preferencialmente ser entendido a partir da relação familiar interpessoal.

Entretanto, não basta apenas ler um receituário de dicas prontas sobre relacionamento familiar e deixar o resto nas mãos do outro cônjuge como o único responsável pela construção de uma família saudável.

Construir um relacionamento familiar benéfico requer auto-observação, disposição para autocrítica e para mudanças. Vai além da mera aquisição de informação sobre o próprio funcionamento.


Equilíbrios nos Relacionamentos

Relacionar-se é ao mesmo tempo estar ligado e diferenciado dos outros componentes dum sistema. Muitos comportamentos disfuncionais na família acontecem devido ao desequilíbrio entre ligação e diferenciação dos componentes familiares.

Há vínculos afetivos e psicológicos envolvidos numa relação familiar, e ao mesmo tempo espaços de privacidade, de autonomia e de individualidade que devem ser respeitados. Um desequilíbrio entre vínculos psicológicos e espaços de individualidade é o que pode comprometer o relacionamento familiar saudável ao provocar ou impor dependência psicológica na relação.

Se os componentes familiares estiverem tão ligados uns aos outros, os sonhos dos pais, por exemplo, podem ser impostos para os filhos. Ou então o abuso de poder pode ser tão

sufocante que o adolescente se torna reativo à falta de espaço para desenvolver gradualmente a própria autonomia.

De forma diferente a liberdade excessiva e a falta de limites na educação dos filhos pode ser sinal de diferenciação e distância extremas entre os componentes familiares, onde o afeto não é demonstrado e a frieza emocional e a distância afetiva se tornam uma constante.



Relacionar-se em família é buscar o equilíbrio entre a ligação e a distância psicológica dos membros da família. Imposição de sonhos, autoritarismo, rebeldia, distância afetiva, ausência de poder parental, abuso de poder podem ser sinais de desequilíbrio entre esses dois polos, o que significa família pouco saudável.
 

A Dinâmica Familiar

Os porquês do desequilíbrio entre esses dois polos – ligação afetiva e distância psicológica – devem ser buscados em outro sistema: na família de origem dos pais. Casais herdam formas de se relacionar e de estar em família e acabam por reproduzir inconscientemente na família atual esses padrões aprendidos da família de origem.

Esses padrões aprendidos incluem formas de educar filhos, de reagir e de se relacionar com o cônjuge, formas de comunicação e até formas de reações emocionais. Esses padrões ou podem ser saudáveis ou nocivos para o funcionamento da família.

A família ainda é um sistema constituído por etapas e ciclos de vida como um ser humano também. Cada etapa de sua formação é um período específico que requer cuidados especiais: nascimento do filho, entrada no filho na escola e adolescência, saída dos filhos de casa, etapa da terceira idade e morte.

A falta de habilidade dos líderes da família para aceitarem essas mudanças com sabedoria pode ser prejudicial para o relacionamento familiar. Entre as consequências dessa falta de habilidade incluímos depressão, transtornos de ajustamentos, retração social, queda no desempenho escolar, conflitos de gerações e desentendimentos conjugais dentre outros.

Outro aspecto incluído no relacionamento familiar são as regras de convivência. Essas regras versam sobre relação afetiva, social, e espiritual. Os pais devem ser justos, firmes, concordantes e coerentes na fixação dessas regras de relacionamento familiar.

Ausência de poder parental e de regras, poder assimétrico e discordante entre pai e mãe, negligência nas tomadas de decisão, liberdade excessiva, tirania dos pais, injustiça no cumprimento e na exigência de regras e quebra do contrato conjugal são fatores danosos para relacionamento familiar que se espera saudável.


Falar e ouvir - Aperfeiçoando o Relacionamento Conjugal 




Entre si, os cônjuges devem:


1) Saber se amam de verdade o outro antes de casarem-se. Aqui começa o relacionamento familiar saudável.

2) Pensar sobre sua família e conversar sobre ela. Produza tempo conversando sobre a dinâmica familiar, os relacionamentos familiares, sobre as regras e o quotidiano da família. Estar disposto a conversar sobre a relação conjugal e a mudar é sinal de relacionamento saudável e de amor. Amar é dialogar.

3) Buscar a sinceridade e a disposição para a interação familiar saudável desde o início do relacionamento conjugal. Muitos ressentimentos corroem os relacionamentos se não forem conversados objetivamente. Estar disposto a falar e a ouvir é imprescindível. Amar é abrir-se com respeito.

4) Relacionamento conjugal sadio também possui discussões. A questão é como se discute os temas conjugais. Em geral, as comunicações se tornam impossíveis por inabilidade em comunicação e não por ausência dela. Com isso, interferências na comunicação aparecem, tais como as crenças irracionais que um cônjuge forma da figura do outro, preconceitos, audição seletiva da fala do outro, dentre outras. Amar é preocupar-se com o aperfeiçoamento.

5) Discutir com bom senso. Não busque culpados, foque o assunto em soluções dos problemas. Nunca discuta no ato do problema como uma reação emocional. Dê um tempo entre o fato e a discussão do fato. Não discuta na frente dos filhos. Não faça competições sobre quem manda e quem ganha a discussão. Elabore listas de queixa entre os dois e procedam às mudanças. Nunca fale: ‘você me irrita’, mas diga ‘me sinto irritado com isso’, nunca fale ‘você não me ouve’, mas diga ‘não se sinto compreendido’. Amar é ser humilde amando.

6) Estabeleça entre vocês regras de discussão e de conversa para evitar ressentimentos. Portanto, em discussões, primeiro orem. Depois fale cada um do sentimento que sentiu e como se sentiu, depois fale objetivamente da situação problemática e da atitude equivocada e nunca ofenda a pessoa do cônjuge. Ouça atentamente e não interrompa o desabafo, faça questionamentos ao outro sobre os sentimentos dele, indague sobre possíveis soluções, comprometa-se com a mudança e proponha atitudes. Amar é seguir regras para não ferir o outro.

7) Atentar sobre a dinâmica conjugal. Os casais devem observar padrões herdados de comportamentos inadequados da família anterior, observar o ciclo familiar e adaptar-se a mudanças, considerar as regras do contrato conjugal e proceder a ajustes delas, e resolver questões suas sem projetá-las nos filhos. Amar é observar-se no amar.



Desafios do Relacionamento Familiar Saudável




Em tempos de televisão, videogame, internet, celular, terceirização da educação dos filhos para a escola, tempos de novos formatos de família com avós, tios e outros incluídos, em tempos de jornada dobrada de trabalho e de insuficiência de momentos de prática de interação familiar, comunicar-se habilmente se torna tarefa difícil.







Marcelo Quirino é Graduado em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Licenciado em Psicologia pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atuou como Docente do Seminário Teológico Batista de Duque de Caxias e é escritor e divulga o conhecimento Psicológico em sites da internet, jornais e revistas diversos.


Fonte: http://www.marceloquirino.com







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